The Return of the Thin White Duke, throwing darts in lover's eyes...
Tornou-se clichê (ou clichêt, ou "clixê") associar a Madonna a uma ideia de contribuição relevante para a evolução da música popular moderna. Curioso... eu sou do tempo que era extremamente "xunga" (ou chunga, ou "fracamente estimulante") abanar ao som da dita cuja, especialmente quando metia virgens à mistura com crucifixos e renda preta, assim bem ao estilo Romana (cantora pimba, não a civilização). Efeitos do mp3... Mas, no meio do filme da sua vida, há que identificar um padrão na abordagem à sua música: a capacidade de se manter actual. Para que tal objectivo fosse atingido, era geralmente contratado um produtor, cuja tarefa era a de adaptar os projectos da artista ao contexto musical corrente. Por lá passaram Nile Rodgers, ou recentemente, William Orbit e Mirwais. A capacidade de reinvenção elogia-se, bajula-se, ao ponto de se lhe chamar a "rainha da pop", entre outros nomes não depreciativos. Mas lá no fundo, nunca lhe chamaram o que ela sabe que é: um David Bowie mais barato e vendável.


Para o leitor que não anda a fazer grande coisa cá neste mundo, será talvez normal passar ao lado do nome de um dos artistas mais emblemáticos da coisa rock. Uma carreira que se expande por cinco décadas, com inúmeros êxitos, mas, acima de tudo, uma capacidade de reinvenção tanto musical como visual que lhe valeu o apelido de "Camaleão do Rock". Um vulcão de talento cujo impulso de criatividade o levou a desempenhar funções como cantor, multi-instrumentista, escritor, actor, produtor, todas elas com o seu grau de sucesso, e algumas em simultâneo. Uma personalidade polémica, que o levou a afirmar ser bissexual bem cedo na carreira, bem como a encarnar características das personagens que criava na sua vida real, chegando a ser conotado como 'nazi'. Um caso fascinante, em que a fronteira entre a vida imitar a arte e a arte imitar a vida não existia.


No fundo, nunca teve um plano para a sua carreira. Só queria criar. Inspirava-se no que encontrava. Apanhou o camião da folk britânica no final da década de 60, só para descobrir que o "flower power" estava a morrer. Mudou o nome original de Davy Jones para David Bowie, para evitar confusões com o vocalista dos Monkees, então, a popstar do momento. Inspirado pela odisseia de Neil Armstrong, escreve a "Space Oddity", um conto sobre o Major Tom, um astronauta numa viagem espacial. O primeiro êxito. Passado um tempo de dedicação à família, com jams intermitentes com Marc Bolan dos T-Rex, decide juntar uma banda de rock para o seu próximo acto, mais tarde conhecidos como os Spiders from Mars. Depois de um par de albuns mais orientados para as canções, lança "The Rise and Fall from Ziggy Stardust and the Spiders from Mars", considerado o zeitgeist do glam-rock.
Um álbum conceptual sobre uma estrela de rock, Ziggy Stardust e a sua banda; um alienígena que vira a Terra do avesso durante 5 anos. Um album tão marcante que os concertos eram atribuídos ao seu alter-ego. Um período excitante na carreira do músico, que entre os concertos e a gravação do album "Aladdin Sane", ainda arranjou tempo para produzir o "Transformer" do Lou Reed, e o "Raw Power" dos Stooges. Depois de um período de exaustão da personagem Ziggy Stardust, que o levou a "assassinar" a personagem em palco, resolveu re-inspirar-se nos seus ídolos, lançando um álbum de versões e escrevendo um ensaio para uma peça sobre o "1984" de George Orwell, compondo música para a ocasião. o ensaio nunca chegou a ser encenado, mas a música foi aproveitada para o álbum "Diamond Dogs", que definitivamente terminou com a fase glam-rock.


Influenciado pela viagem a Philadelphia durante uma tour americana, Bowie interessa-se por soul. E daí veio o álbum "Young Americans". O início de uma fase bastante caótica a nível pessoal, em que se cruza com a versão mais negra do John Lennon em L.A., e em que sobrevive numa dieta de "pimentos, leite e cocaína". O grau de paranóia inerente ao estilo de vida, bem como uma obsessão com memorabilia nazi, dá origem ao personagem "Thin White Duke", e ao mítico "Station to Station", um album do qual não se lembra como foi feito. O estilo de vida americano que levava estava a destruí-lo, e decide fugir para Berlim, com o amigo Iggy Pop, para combater os problemas pessoais. Durante meses, produz os dois primeiros álbuns a solo do Iggy Pop, e parte para a estrada com este, no canto do palco, como o teclista da banda. Por esta altura, começa a interessar-se pelas bandas alemãs mais ambientais e electrónicas, como os Kraftwerk. E daí veio o seu trabalho nos anos seguintes (com a colaboração do ex-Roxy Music Brian Eno) conhecido como a "trilogia de Berlim": Low, Heroes e Lodger. Por esta altura, acabavam os anos 70, e uma longa estrada percorrida pelo menino da "Space Oddity".



Era altura de fechar o capítulo, e matar o velho Bowie. Quando lançou "Scary Monsters and Super Creeps", assumiu o conceito de enterrar o passado, explícito no single "Ashes to Ashes", em que desacreditou o Major Tom, a sua primeira personagem, um "junkie", ele mesmo. O velho Bowie morreu ali. E nada do que tinha feito o prepararia para o que viria depois. Depois de um período em que participou na concepção da adaptação para filme do livro autobiográfico "Christiane F. - Wir Kinder vom Banhoff Zoo", colaborou com os Queen no single "Under Pressure", que o preparou, em termos comerciais, para o sucesso de "Let's Dance", uma colaboração com Nile Rodgers (que dois anos depois, produziria a Madonna... notam o padrão?). O resto da década de 80 foi vivida por entre digressões megalómanas, duetos, colaborações em filmes, peças de teatro, a colaboração para o Live Aid, em que a música, definitivamente, passou para segundo plano, algo que o próprio admitiu.



A década de 90 trouxe-lhe uma nova pele, quando, depois de experimentar o mundo do noise rock com os Tin Machine, lançou o álbum "Black Tie White Noise", o "1.Outside", e o "Earthling", em que, motivado pela descoberta das novas bandas industriais como os Nine Inch Nails ou os Young Gods, ou mesmo o drum'n'bass, decide criar a sua visão do fenómeno. É, curiosamente, depois desta incursão pela música analógica, que volta ás canções, com "Hours". Um álbum em que aceita o seu estatuto de "veterano" da coisa. De lá para cá, lançou mais dois álbuns.


Resumir a carreira do David Bowie aos álbuns é um erro grave. Este homem percorreu um longo caminho, e alcançou um estatuto difícil de igualar. Foi, no início, influenciado pelos Velvet Underground, Stooges ou Rolling Stones, e acabou a produzir os álbuns mais marcantes da carreira a solo do Lou Reed e do Iggy Pop, bem como a colaborar com Mick Jagger no single "Dancing in the Street". Cresceu a ouvir Ike & Tina, para ser, décadas mais tarde, importante no renascimento da carreira da Tina Turner. O personagem "Ziggy Stardust" foi considerado o momento alto do glam-rock, apesar de este ser abertamente inspirado na outra estrela do momento, Marc Bolan dos T-Rex. A figura do personagem inspirou diversos personagens, bem como o filme "Velvet Goldmine". A música "Life on Mars" é musicalmente baseada na mesma peça francesa que deu origem, na mesma altura, ao "My Way" do Sinatra. A personagem "Thin White Duke" é sempre chamada sempre que se pretende usar expressões como "frieza" e "distância" para adjectivar música. Os vídeos promocionais de "Space Oddity" ou "Ashes to Ashes" são parte da razão pela qual hoje existe a MTV. Nos anos 90, assumiu como influência as bandas industriais do momento no seu trabalho, tendo sido estas influenciadas pela sua obra, maioritariamente na trilogia de Berlim. Foi o primeiro branco a actuar no programa orientado para negros "Soultrain". Colaboraram na sua obra artistas tão seminais como míticos, como Rick Wakeman dos Yes, Robert Fripp dos King Crimson, John Lennon dos Beatles, Mike Garson, Luther Vandross, Brian Eno dos Roxy Music, Pete Townshend dos The Who, Nile Rodgers dos Chic, Stevie Ray Vaughan, Pet Shop Boys, entre outros. Um consumidor ávido de música, estando-lhes agradecidos, por exemplo, os Pixies ou os Arcade Fire, pela exposição do seu trabalho derivada dos seus comentários abonatórios em entrevistas.


Há artistas que marcam uma época. Há outros que definem uma época. E há outros que simplesmente estão aqui...
Life on Mars
Rebel Rebel
Fantastic Voyage
Wild is The Wind
Station to Station (clip do Christiane F.)
Lady Stardust
Rock'n'Roll Suicide
Etiquetas: David Bowie, Madonna, Ziggy Stardust

